A estrutura dos presídios femininos foram originalmente prédios construídos para fins religiosos, a Igreja Católica era quem administrava estes locais e com o passar dos anos, estes prédios viraram presídio para homens e tempos depois foi estabelecido nestes prédios carceragem para mulheres. Inicialmente os presídios femininos foram administrados pelas Freiras da Igreja Católica Apostólica Romana que acolhiam mulheres desregradas (ANDRADE, 2011), essas mulheres naquela época não eram em grandes quantidades, desta forma, não havia muito no âmbito de segurança, elas simplesmente não fugiam e não se rebelavam o que ajudava o estabelecimento ser mantido pela Igreja e administrado pelas Freiras.
Sobrevoando o tempo, já nos dias atuais, o Brasil é o quarto país com o maior número de presos, os números ultrapassam 549 mil cidadãos vivendo em estabelecimentos prisionais nesta linha, como já exposto, as prisões femininas são oriundas de prédios construídos para serem brigadas de homem, logo, as celas para mulheres foram adaptadas para recebê-las, muitas das instalações são mistas, dividida por pavilhões, alas e gaiolas, onde se encontram as presas e seus filhos nascidos na prisão.
Nesse sistema prisional, esclarece Daniela Canazaro Melo:
As mulheres correspondem a 6,44 % da população de pessoas presas no país, com um aumento de mais de 500% no decorrer dos anos de 2008 para cá, este fato decorreu em superlotação, fazendo com que os presídios femininos fossem uma extensão dos presídios para homens (2016, p. 34).
Neste contexto, observa-se que é crescente o número de mulheres presas, consequentemente, cresce junto delas, o número de crianças encarceradas.
De acordo com Débora Diniz (2016), nota-se que a estadia dentro do cárcere é extremamente precária, posto que as mulheres moram em estabelecimentos pensados e projetados para homens, tanto no prédio em si, quanto no trato para com elas. O Estado trata toda a comunidade carcerária de forma padronizada, porém, são eles divididos entre os que menstruam e os que não menstruam.
No quesito criança, as nascidas no cárcere carecem do aparato necessário para viver e crescer dentro das celas, é um grande trauma psicológico adquirido pelos pequenos no escasso tempo de vida com a mãe, a maternidade no meio prisional é um fato a ser pensado e estudado para que o melhor para a criança sempre seja observado.
Estudos indicam que é extremamente importante que a criança esteja com a mãe nos primeiros anos de vida, é um laço único e que refletirá por toda a vida adulta, o aleitamento é de suma importância para o desenvolvimento sadio do bebê tanto em relação de saúde, quanto em relação ao psicológico da criança, pois é através da amamentação que a criança reconhece a face da mãe e, esta é sua primeira referência do mundo externo (VIEIRA; VERONESE, 2015).
Ademais, a separação é triste e dolorosa, cabe cuidar com muita atenção deste desenlace para que não traumatize a criança, e, deve-se atentar a quem será entregue o bebê, quem estará com sua guarda provisória, e se aquele receberá além do que é de fundamental, como saúde e educação, também carinho e amor fraterno (MELO, 2016).
DA GUARDA
No que tange a guarda, para as crianças que saem da penitenciária e as genitoras permanecem, há aquelas atribuídas a outrem, ela está prevista no art. 1.584, §5º do Código Civil: “se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”, assim reza o código que de preferência a criança deve ficar com um familiar, mas nos casos de filho havido no cárcere, que tem riscos físicos e psicológicos de ficar sob a guarda da mãe dentro do sistema prisional é cedida à guarda para outrem, chamada de guarda institucional, a criança fica sob a proteção de programas de admissão familiar ou organizacional.
Consequentemente, o Estado pode imiscuir-se no poder particular dos pais conforme diz o art. 1637 em seu parágrafo único quando houver condenação dos pais ou de um deles por uma sentença irrecorrível, por uma infração com sentença condenatória e a pena for superior a dois anos, lembrando que, quando o crime for cometido contra filho, curatelado e tutelado a inaptidão do exercício do pátrio poder familiar tem efeito automático.
Ocorre que, não pode ser orientada exclusivamente uma determinação de suspensão ou de perda por condenação criminal, já que se devem considerar os direitos da criança, o seu interesse, observemos:
O simples fato de o pai ou a mãe estarem cumprindo pena privativa de liberdade, sem que o crime praticado tenha relação direta com o filho, não justifica a invocação das hipóteses de suspensão e extinção do poder familiar previstas na legislação brasileira, porque a impossibilidade de prestar cuidados aos filhos, por motivo de aprisionamento, não basta para caracterizar as hipóteses legais (D’ANDREA 2011, p.61 apud VIEIRA; VERONESE, 2015, p. 155).
Ainda que, seja momentânea, é grave à medida que suspende a imunidade dos pais de terem a guarda dos filhos, faz com que esta medida atinja diretamente os filhos, tire o direito de estar com os pais e serem educados por eles, a sentença condenatória que defrauda o poder familiar pode atingir somente um dos pais ou todos os principais, que pode ser restabelecido ou não, reparemos:
[…] os direitos e deveres conferidos aos pais pelo ordenamento jurídico se renovam a cada dia (art. 1.634, CC) até que os filhos atinjam a maioridade civil ou até que seja constituído um novo vínculo, via adoção. Assim, enquanto existente o poder familiar, será irrenunciável, indelegável e imprescritível, não podendo o progenitor eximir-se de seus deveres, alegando o cumprimento ou exaurimento dos mesmos, como se estivesse adimplindo uma obrigação instantânea; muito menos, noutro sentido, pode o magistrado entender juridicamente impossível o pedido de restabelecimento do poder familiar (art. 267, IV, CPC), se, naquele momento, estiverem ausentes os motivos que ensejaram a destituição e se houver o interesse do filho em ser reintegrado à família biológica, uma vez que a perda não é definitiva (VERONESES, GOUVÊA, SILVA, 2005, p. 226 apud VIERA; VERONESE, 201, p.156).
Por consequência, é necessário que tudo isso não reincida sobre a criança, assim é estabelecido pelo legislador que a criança fique com a mãe pelo prazo de até sete anos, dado que, estar ao lado da genitora terá o carinho e proteção maternais necessários para seu desenvolvimento, mas quando há a separação normalmente a guarda fica para os avós, não raro para a avó materna.
Desse modo, a guarda de crianças que nascem no cárcere é estabelecida pelo Poder Judiciário, as crianças em algum momento devem obrigatoriamente separar-se das mães seguindo as normas e a padronização do sistema, dentro do presídio a guarda é temporária da mãe, na separação será analisado quais os familiares da mãe e/ou do pai há do lado de fora, se houver, será entregue a algum deles, caso não haja, a criança será levada para abrigos, neste último caso fica sob a custódia do Estado sujeita a ir para adoção e nunca mais ver sua mãe.
Portanto, deve-se observar qual a melhor solução, e estar sempre em acordo com as leis garantidoras do bem estar da criança, que estão reservados no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Execução Penal.
O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ECA.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é fundado no princípio do melhor interesse da criança, esta deve ser a base de todos os casos que envolvam a criança e o jovem adolescente, sempre observando o que é melhor ao interesse delas, este princípio é originalmente americano utilizado pelos tribunais quando se trata de guarda para decidirem quem reterá a tutela do menor, no Brasil é comparativamente atrasado quando se trata de amparos de proteção à criança.
E, nos anos de 1980 no Brasil, houve uma grande locomoção social pela defesa das crianças e dos jovens, nesta época a nação começou a perceber que o desenvolver uma criança sadia, era de extrema importância para o futuro.
Nesta linha, em 1988 as crianças ganharam espaço no texto Constitucional brasileiro em seus artigos 226 até o artigo 230 passando a ser reconhecido de fato o direito da criança através de seu estatuto promulgado no ano de 1990, norma esta que regula os dispositivos tratados no texto da Carta Magna.
Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente nasceu para que se consolidassem os artigos inseridos na Constituição Federal de 1988, o que foi de grande valia para os menores nascidos no cárcere que passaram a ter algum tipo, ainda que pouco, de direitos garantidos.
A LIBERDADE PROVISÓRIA E A PRISÃO DOMICILIAR.
A liberdade provisória é baseada no princípio da Constituição Federal da presunção de inocência, tem como objetivo substituir a prisão provisória, para evitar o encarceramento do individuo ora acusado, mas tê-lo ainda dentro do processo criminal.
Caso o crime não seja hediondo, a infração penal não ultrapasse três meses, no caso de prisão em flagrante o autor da ocorrência comprometer-se a se apresentar na sede do Juizado (Lei dos Juizados Especiais Criminais 9.099/95), poderá ser beneficiado da liberdade provisória, no caso das mulheres vale o mesmo do enunciado, o que é de grande valia para as mulheres que são mães no cárcere ou que tem filhos menores de doze anos sob sua guarda, sendo à liberdade provisória é um artefato de eficácia, tanto para a mãe quanto para os filhos.
Ao analisar a pena privativa de liberdade, constata-se que a proteção integral a criança aparece desconhecida, o Estado trata a criança como uma extensão da execução penal da mãe, assim, o espaço em que a criança se encontra dentro da carceragem é estritamente pequeno, opressivo e não há interesse do Estado em adequar este espaço para atender as necessidades das crianças, o que se observa são mãe e filho com seus direitos violentados nestes locais, neste pensamento, a prisão domiciliar veio para dar um pouco de dignidade a essas crianças.
Desta forma, observa-se que a liberdade provisória foi um meio que o Legislador incumbiu, de uma mãe ou uma gestante ter de forma digna uma convivência familiar com seus filhos, por isso, devem ser atentado que, a liberdade provisória e a prisão domiciliar não são modos de colocar a mulher em liberdade, mas sim, formas de a criança estar junto à mãe, recebendo qualidade de vida, afeto e convivência social saudável.
OS TRATADOS INTERNACIONAIS
A defesa da criança e do adolescente se arquiteta com base no princípio da dignidade da pessoa humana, é uma evolução histórica de construção social e de essência ética, consagrado por tratados e leis nacionais e internacionais, os direitos daqueles.
A Declaração ou carta de Genebra de 1924 constitui a primeira declaração sistemática dos direitos da criança, foi elaborada no seio da Associação Internacional de Proteção à Infância e contém sete princípios, os quais foram redigidos pela pedagoga Englatine Jebb […] (VIEIRA; VERONESE, 2015, p. 88).
Em consequência, este texto se divide em dois pensamentos fundamentais para a história, pois ela busca trazer internacionalmente a uniformização de direitos inerentes à proteção da criança, como conceitua-la um indivíduo desprotegido, indefeso e exposto na sociedade.
Destarte, observando o texto é nítida a defesa da dignidade da criança, que é inserida não só pelo Estado em sua Carta Magna pelo artigo 227, mas pela sociedade e por todos os países participantes de tratados que zelem por direitos inerentes as crianças, mas que por muitas vezes se escondem de suas obrigações pelo manto político de prioridades Estatais, consideremos:
Ocorre que, na prática, como bem observa Fonseca, a dimensão jurídica dos direitos fundamentais sociais tem sido relegada a segundo plano, “na medida em que os Estados acabam se escondendo sob o manto da obrigatoriedade x disponibilidade financeira, também conhecida como ‘reserva do possível’, ou seja, afastam-se de suas obrigações sob a alegação de que não há disponibilidade orçamentária para concretizar o catálogo de deveres fundamentais atribuídos ao Estado” (FONSECA, 2010, P. 265, apud, VIEIRA; VERONESE, 2015, p. 134).
Então, neste raciocínio, está inserida a corredoura da Lei Regras de Bangkok, uma medida realizada pela Organização das Nações Unidas que trata sobre o artifício utilizado as mulheres presas em resguardos não privativos de liberdade e tem como finalidade estabelecer meios de organização de presídios e das formas de tratamento dos encarcerados, assim, o Brasil sendo membro da ONU deve respeitar estas regras.
OS ÚLTIMOS JULGADOS
Derradeiramente o ordenamento jurídico brasileiro trouxe alguns julgados de suma importância para o tema discutido neste trabalho, o Ministro Ricardo Lewandowski membro do Supremo Tribunal Federal preceituou em um caso efetivo que a mãe de dois filhos, presa, fosse recolhida em prisão domiciliar em substituição a prisão preventiva, a genitora foi detida acusada pelos crimes de descaminho, falsificação de documento particular e patrocínio infiel, vejamos:
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Júlia Voltolini Caparroz, contra decisão de Ministro do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu o pleito cautelar requerido no HC 419.968/ SP (documento eletrônico 23). A paciente “teve a prisão preventiva decretada, em 14/09/2017, […], o impetrante alega, em síntese, que “[a] Paciente, conforme demonstrado acima está sofrendo o odioso constrangimento ilegal. […] salienta-se, primeiramente, que os argumentos, aqui levantados, encontram-se dispostos no Estatuto de Ritos Penal e é feito com fundamento nos Direitos da Mulher e da Criança, à dignidade da Pessoa Humana e em obediência ao princípio da proteção integral da criança […] (STF – HC: 149065 SP – SÃO PAULO 0012009-12.2017.1.00.000, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 14/11/2017, Data de Publicação: DJe-261 17/11/2017).
De fato, a defesa da Paciente trouxe aos autos documentos comprobatórios de que aquela é progenitora de duas crianças um com três anos e outra com três meses, respectivamente, esta última em período de amamentação e que destas a Paciente possui a guarda, logo, nestes termos o advogado de defesa salientou nos autos do Habeas Corpus o direito da Paciente a cumprir a prisão preventiva em domicílio, baseado no artigo 318 do Código de Processo Penal e salientando o Estatuto da Criança e do Adolescente que assevera o princípio da proteção integral à criança.
Consequentemente, entendeu o Exmo. Ministro que se trata de direito fundamental da criança à amamentação, e, concedeu de ofício o habeas corpus a mãe em intenção do bem-estar da criança, dado que, cabe a substituição da prisão preventiva em domiciliar no caso apresentado, protegido pelo inciso V do artigo 318 do Código de Processo Penal.
Assim sendo, a medida vem determinar a substituição da prisão preventiva para domiciliar de todas as mulheres que se encontram presas, sejam elas gestantes ou as mães de crianças com menos de doze anos, conforme o inciso V, do artigo 318 do Código de Processo Penal, e ainda com base nas Regras de Bangkok, já citado no referido trabalho, pois a prisão preventiva ao trancafiar as mulheres nestas situações acima descritas, tiram delas o direito ao pré-natal, e, as crianças que habitam lá com as genitoras, se retiram o direito ao crescimento sadio.
Portanto, observa-se que a medida ofertada no Habeas Corpus coletivo foi de suma importância ao ordenamento jurídico, finalmente foi notada a criança como maior beneficiária da medida, constatou-se que não há necessidade de a criança padecer pelo crime da mãe, a liberdade do pequeno, a saúde física e mental desta deve estar garantida pelo ordenamento jurídico principiado no melhor interesse da criança.
Santos, 23 de janeiro de 2024. JULIANA CRISTINA JORGE DA SILVA – OAB/SP 418.543 –