No dia 28/10/2020, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu que o prazo de prescrição para a cobrança de sobre-estadia de contêiner (demurrage) prescreve no prazo de 5 anos, nos termos do inciso I do parágrafo 5º do artigo 206 do Código Civil, quando previamente previsto em contrato de transporte marítimo unimodal.
Nos casos em que não há prévia estipulação contratual, aplica-se a regra geral do artigo 205 do Código Civil, ocorrendo a prescrição da pretensão no prazo de dez anos. A decisão ocorreu no julgamento de dois recursos especiais (REsp 1.819.826 e REsp 1.823.911), submetidos ao rito dos recursos repetitivos, que estavam sob a relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, cadastrados como Tema 1.035 no STJ.
A tese fixada para os fins repetitivos foi a seguinte: “A pretensão de cobrança de valores relativos a despesas de sobre-estadias de contêineres (demurrage) previamente estabelecidos em contrato de transporte marítimo (unimodal) prescreve em 5 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002.” Sobre-estadia de contêiner, também conhecida como demurrage, vem a ser a indenização devida pelo importador pela utilização do contêiner além do prazo concedido a título de isenção de pagamento. Com esta decisão, submetida ao rito dos recursos repetitivo, a tese consagrada será aplicada aos feitos que tratam sobre a matéria nos graus inferiores, trazendo maior segurança jurídica.
DA CONTROVÉRSIA SOBRE O PRAZO PRESCRICIONAL A questão acerca do prazo prescricional para a pretensão de sobre-estadia de contêiner vem sendo objeto de discussão doutrinária e jurisprudencial nos últimos anos. O advento do Código Civil de 2002 foi um marco no tratamento sobre a matéria.
Antes da promulgação do mencionado código, era observado o prazo prescricional de um ano, previsto no art. 449 do Código Comercial de 1850, que tratava da sobre-estadia de navio, mas que era utilizado por equiparação para a sobre-estadia de contêineres. No ano de 1998 entrou em vigor a Lei 9.611/98, que tratava especificamente sobre o Transporte Multimodal de Carga.
Num dos seus dispositivos, notadamente no art. 22, foi estabelecido que: “(…) as ações judiciais oriundas do não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal deverão ser intentadas no prazo máximo de um ano, contado da data da entrega da mercadoria no ponto de destino ou, caso isso não ocorra, do nonagésimo dia após o prazo previsto para a referida entrega, sob pena de prescrição” Até então não havia controvérsia, pois ambos os dispositivos estabeleciam o prazo ânuo. Com o advento do Código Civil de 2002, o art. 449 do Código Comercial foi revogado, sendo necessário buscar no ordenamento jurídico outro dispositivo que se amoldasse à pretensão. Após calorosa discussão doutrinaria, várias correntes trataram sobre o tema.
A primeira corrente submetia o tema ao art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, que estabelece o prazo de 3 (três) anos para a pretensão de reparação civil. Outra tendência jurisprudencial encaminhou o assunto para o mesmo art. 206, §5º, inciso I, estabelecendo o prazo de 5 (cinco) anos, por se tratar de dívida líquida, constante de instrumento particular. A terceira caminhou no sentido de aplicar a prescrição de dez anos, conforme disciplina o artigo 205, como regra geral. Uma forte corrente entendia que seria aplicável o prazo de um ano, previsto no art. 22 da Lei 9.611/98, para qualquer tipo de transporte, seja multimodal, ou unimodal, com fundamento na analogia e uma tendência de redução dos prazos extintivos observado no código civilista.
Após exaustivos debates nos tribunais, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que são diferentes os prazos prescricionais no caso de descumprimento de contrato de transporte marítimo. O prazo prescricional de um ano, previsto na Lei 9.611/98, tem a sua aplicação restrita ao transporte contratado na modalidade multimodal, quando o contrato estabelece mais de uma modalidade de transporte No julgamento do REsp 1.340.041 (DJe de 04/09/2015), o STJ pacificou que a sobre-estadia decorrente de transporte unimodal observa o prazo de 5 anos, quando a taxa de sobreestadia objeto da cobrança for oriunda de disposição contratual que estabeleça os dados e os critérios necessários ao cálculo dos valores.
Caso não haja prévia estipulação contratual, aplicável a regra geral do art. 205 do Código Civil, ocorrendo a prescrição em 10 (dez) anos. Agora, no julgamento do Tema 1.035, o STJ ratificou o referido entendimento. DA INAPLICABILIDADE DO PRAZO DE UM ANO Na recente decisão do STJ, o Ministro Relator, Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que é inaplicável o prazo de um ano previsto no art. 8º do Decreto-Lei nº 116/1967, pois o dispositivo mencionado trata sobre as ações decorrentes do eventual extravio da carga transportada, nada dispondo sobre pretensão de cobrança de valores relativos a sobre-estadia.
Também consignou que não se aplica o art. 22 da Lei 9.611/98, que regula o Transporte Multimodal, em razão da “diferença existente entre as atividades desempenhadas pelo transportador marítimo e aquelas legalmente exigidas do Operador de Transporte Multimodal.” Outro fundamento utilizado, ratificando o entendimento que já era consagrado pela Corte é de que “…em se tratando de regras jurídicas acerca de prazos prescricionais, a interpretação analógica ou extensiva nem sequer é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.” Concluindo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu definitivamente que o art. 22 da Lei nº 9.611/1998 não pode ser aplicado nas ações de cobrança de despesas de sobre-estadia decorrentes da execução de contrato de transporte de cargas unimodal, devendo a matéria ser regida pelo Código Civil.
Desta forma, a corte especial confirmou o entendimento que já era consagrado, no sentido de que o prazo prescricional para o ajuizamento de ações de cobrança por sobre-estadia de contêineres pode ser de cinco anos, quando a taxa de sobre-estadia objeto da cobrança for oriunda de disposição contratual que estabeleça os dados e os critérios necessários ao cálculo dos valores. Nas hipóteses em que inexistente prévia estipulação contratual, o prazo será de 10 anos, aplicando-se a regra geral do art. 205 do Código Civil. Santos, 06 de novembro de 2020. ALEX SANDRO SIMÃO – OAB/SP 191.616 –